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Serviços de urgência

Serviços de urgência

Há cerca de 15 anos, estava em Pontevedra-Galiza-Espanha e tive de recorrer ao serviço de urgência do hospital local, que serve cerca de 400 000 habitantes. Estava com um problema físico, que poderia ser cardíaco. Era um sábado e, conhecendo bem os serviços de urgências portugueses, estava receoso como seria o atendimento. Quando lá cheguei, na sala de espera estavam cerca de seis pessoas e havia uma secretária aonde estavam sentadas duas enfermeiras. Dirigi-me a elas e relatei o meu caso. Mandaram-me aguardar na sala de espera e, passados cerca de cinco minutos, disseram-me que podia entrar. Dentro estava um ambiente tranquilo com muitas poucas pessoas. Fui examinado, inicialmente, por uma enfermeira que me mediu as tensões e que me fez um traçado E.C.G. Chamou o médico que me examinou e pediu análises, marcadores de possível enfarte. Colocaram-me numa sala de observações, onde estavam mais duas pessoas. Passado pouco tempo, chegou um médico cardiologista, que devia estar no internamento, que me examinou. Isto tudo muito tranquilo e agradável. Nessa sala, onde passava ocasionalmente uma enfermeira, que me obrigava a descruzar os pés, e onde estive cerca de duas horas. Apareceu o cardiologista, que me tinha examinado, que trazia consigo as análises. Fez-me um novo traçado E.C.G. e disse-me que nada tinha do foro cardíaco, dando-me alta.

Comparado com os nossos vergonhosos S.U. isto era um “céu”. Nada paguei, pois tinha um Cartão Europeu de Saúde.

Há cerca de 2 anos, estava na marina, novamente, em Espanha- Grove Galiza, e ao tirar uma corda do barco, senti uma dor lombar intensa, com irradiação para a coxa direita, que me imobilizou. Fui conduzido ao hotel, onde pedi que me arranjassem quem me viesse aplicar um injetável. Passado pouco tempo, recebi uma chamada do centro de saúde do Grove, pequena cidade costeira, a perguntar qual era o meu problema. Depois de explicar, a senhora do telefone, disse que ia passar a chamada ao médico de serviço, que lá se chama médico de “guardia”. Falei com ele, o qual depois de me ouvir disse que ia enviar ao hotel uma equipa médica ambulatória. Esta apresentou-se no hotel cerca de 20 minutos depois. A equipa era constituída por médico e uma enfermeira, e o médico depois de me examinar disse à enfermeira que me aplicasse um injetável que trazia. Perguntei pelo pagamento e o médico respondeu que era gratuito, pois aquilo fazia parte do Serviço Médico Ambulatório da Galiza. Era já do meu conhecimento da existência deste serviço, mas não com aquela eficiência.

Ao contrário de Portugal, terceiro mundista, estes serviços e esta eficiência existem há décadas na maior parte dos países europeus, onde ninguém vai ao serviço de urgência, a não ser em casos excepcionais, sem passar pelo médico de clínica geral, quer dizer que um serviço de urgência hospitalar só é eficiente se os cuidados primários também o forem.

Os serviços de urgência em Portugal são, há cerca de 40 anos (mas não eram assim), terceiro mundistas, caóticos, perigosos, com doentes nos corredores em maca, sem ser atendidos, ou sentados à espera, profissionais, totalmente, desmotivados. Devido a tudo isto, há o perigo das verdadeiras urgências passarem despercebidas. São acima de tudo, lugares de contaminação. A grande maioria destes doentes, não são urgências hospitalares, mas sim portadores de patologias, que poderiam e deveriam ser tratados nos cuidados primários, nos centros de saúde, ou em suas casas, por serviços médicos ambulatórios domiciliários.

Mas o problema é que estes serviços deixaram de existir!!

Vou tentar explicar como chegamos a isto. Até cerca dos anos 80/82 (não posso precisar datas), funcionava o conhecido sistema “médicos da Caixa”. Quase todos os médicos, inclusivamente os hospitalares, trabalhavam nas Caixas em duplo emprego, pois os vencimentos eram baixos. O horário era de 2 horas de consulta e não havia lista de espera (não era bom?!), mas existia uma coisa boa que era o serviço médico e de enfermagem domiciliário diário. Todas as capitais de distrito tinham médicos que só faziam domicílio, que era uma condição básica para entrar para efetivos. Os outros centros periféricos ou rurais, o médico (depois das consultas se alguém da sua lista tivesse requerido um ou mais serviço domiciliário) era obrigado a fazê-los sobre pena de processo disciplinar grave por negligência médica. Confesso que nunca gostei de fazer domicílios, mas a verdade é que faz parte da profissão.

Não era um sistema perfeito, mas tinha uma qualidade, pois retirava os doentes ambulatórios das urgências hospitalares. Até aos anos 80, enquanto este sistema funcionou, fazer serviço de urgência hospitalar 24 horas (como eu fazia no Hospital de Santo António Porto) não apresentava qualquer sacrifício, mas sim um prazer, pois só tratávamos, com exceções, urgências hospitalares. Éramos equipas coesas, onde além do trabalho, se convivia e criava amizades para toda a vida.

Por essa altura, o Dr. Paulo Mendo, que foi para mim o melhor e mais conhecedor Secretário de Estado da Saúde, fez uma coisa magnífica: instituiu as chamadas carreiras médicas, como um edifício:

  • Médicos de Família — A BASE
  • Médicos Hospitalares — intermédios
  • Médicos de Saúde Pública

Regulamentou as carreiras médicas hospitalares, com quadros médicos com diversos patamares e quem quisesse subir na carreira tinha que ser sujeito a exames de júri, que eram sérios, baseados, essencialmente, na meritocracia. Para ele( e para mim) a carreira de Médico de Família, clínico geral, era a mais importante e seria os pilares do edifício, onde as outras assentariam. Isto é, se a base não funcionasse, todo o resto do edifício de correria o risco de se desmoronar. O controlo do doente, caberia ao médico de família, que tinha o contacto com o doente, que se entendesse, recorreria às especialidades hospitalares, que eram secundárias. A ideia era, como o nome indicava, uma boa relação médico-doente que poderia chegar até a disponibilidade permanente. Estariam asseguradas as urgências ambulatórias e os serviços médico-domiciliário e as pessoas só poderiam recorrer ao SU por sua indicação e responsabilidade, a não ser em casos excepcionais. Infelizmente, o governo caiu, houve eleições e estas carreiras de médico de família, embora decretadas, nunca foram, completamente, regulamentadas, ficando a carreira de médico de família, sómente pela sua formação, acesso e 35 horas de trabalho semanal, sem definir como seriam aplicadas essas horas e quais os direitos e os deveres do médico de família. Sei que 20 horas eram dedicadas a consultas e as outras 15 horas restantes, disseram-me que era para ficheiros? Até hoje, nunca soube o que eram estes ficheiros (na minha ignorância, julgo que seria algum trabalho de carpintaria ou serralharia). A verdade, é que ficou um vazio que nunca mais foi resolvido em 40 anos. Isto levou a um aumento constante de pessoas, que se viram obrigadas a recorrer aos serviços de urgência hospitalar, que não se encontravam preparados para este problema. Este aumento não foi brusco, foi insidioso como uma doença maligna, que foi crescendo de ano para ano até ao estrangulamento atual.

As gestões hospitalares, confrontadas com este aumento constante de pessoas, que recorriam ao SU’s, que em alguns casos ultrapassou 300%, foram obrigadas a contratar os chamados médicos tarafeiros que, de um modo geral, pertenciam aos centros de saúde, aonde estes doentes deveriam ser antendidos. Depois também foram criadas empresas que “alugam” médicos aos hospitais, por preços que, atualmente, em alguns casos, chegam ao preço exorbitante, de 150 euros / hora, tendo os gastos com tarefeiros ultrapassado os 200 milhões de euros em 2024. Considero estes valores obscenos! Os médicos tarefeiros, e já há quem se dedique, exclusivamente a isto, é uma péssima solução para os S.U., pois aqueles estão desintegrados das equipas de urgência, fazem um trabalho temporário, por turnos e não dão continuidade de assistência ao doente, pois pedem exames subsidiários e quando estes se encontram realizados, o médico muitas vezes, já não se encontra de serviço.

Agora a Ministra da Saúde, embora reconhecendo que os tarefeiros são um “fator de malignidade do SNS e os grandes problemas que este enfrenta”, vem dizer que vai regulamentar o trabalho à tarefa no SNS, tomando várias medidas, mas a verdade é que o problema de base se mantém. Também diz, que os serviços de urgência se sentem reféns do trabalho dos tarefeiros, porque sem eles, os serviços de urgência podiam ficar paralisados!!

Mas eu digo que, também é verdade, que se os cuidados primários funcionassem como deviam, tirando os doentes das urgências, assim como, os médicos hospitalares estivessem motivados com vencimentos dignos, esses empresas desapareceriam, pois não teriam razão para existir (são mais uma invenção portuguesa), e se existem é porque os serviços oficiais, devido ao seu mau funcionamento, o permitem. Estas empresas, também, estão reféns disto. Eu, pessoalmente, não gosto delas. Está nas mãos de todos os partidos o seu desmantelamento, pois elas vivem do “quanto pior melhor”. A Sra. Ministra ,por acaso, está neste momento no olho do furacão, mas a realidade é que o problema já tem 40 anos e, neste período, já passaram pelo Ministério da Saúde dezenas de ministros/as de vários Partidos que nada resolveram, não está sózinha, pois todos os outros já passaram, negativamente, pelo mesmo.

Os Hospitais os que querem é verem-se livre dos tarefeiros, figura que institucionalmente, não existe e só serve para períodos excepcionais e temporários.

Quarenta anos é muito tempo!! Nesse período foram-se criados interesses, lobbies organizados que prosperam com este vazio. Os médicos de família habituaram-se a não fazer domicílios e tentarão que assim continue. Não é agradável, mas terão que os fazer pois faz parte dos seus deveres profissionais e se fizerem pressão é melhor mudar de profissão! Até a própria população (à portuguesa) reage mal a mudanças mesmo que sejam para seu bem.

A Sra. Ministra e todos os outros que antecederam devia sair do seu gabinete de Lisboa e tentar ver o que se passa fora deste triste país e copiar, e não inventar, o que está resolvido há dezenas de anos nos países da Europa. Recomendo uma ida à Galiza e consultar o governo autónomo, para perceber como eles, com muitos menos custos, resolveram o problema, ou se quiser ir a França.

Entretanto as carreiras médicas hospitalares, que foram regulamentadas, e com quadros médicos adequados, tiveram nos anos 90 os seus anos de ouro. Havia estruturas, material médico moderno, profissionais motivados com realização profissional (embora mal pagos), progressão nas carreiras, dependendo de concursos com júri, internos de especialidade, gestões hospitalares constituídos por Diretores Hospitalares eleitos, Administradores de Carreira Hospitalar e Enfermeiros Diretores. Havia no Norte, uma Associação de Diretores Hospitalares presidida pelo Dr. Paulo Mendo, que reunia uma vez por mês e, onde se trocavam ideias e eram discutidos problemas.

Nessa altura, senti pela primeira vez que estávamos a um pequeno passo da Europa avançada, pois nada nos envergonhava quando nos deslocávamos a hospitais estrangeiros. Depois… e há sempre um depois desditoso na história de Portugal, houve a eleição do Primeiro Ministro António Guterres, que foi para mim o Primeiro Ministro mais fraco e facilitador da Democracia. Aliás ele próprio o reconheceu, honra lhe seja feita, quando se demitiu. Não sabia dizer não à máquina partidária, e tudo mudou e a política partidária entrou em força nos hospitais, em que o lugar de gestor foi considerado um bom lugar para albergar as clientelas partidárias, acabando-se a meritocracia. Os concursos foram regulamentados e reduzidos a uma palhaçada. Levou à célebre frase de um presidente júri “todos estão aprovados. Alguém quer fazer exame?”. Depois para não ter que assistir in loco ao que inevitávelmente ia acontecer abandonei aos 58 anos a carreira hospitalar.Construi é dificíl e demora,destruir é fácil e rápido!

Um SNS não se monta numa só legislatura. É preciso competência, coragem política, esquecer as rivalidades partidárias, esquecer os votos e pensar sómente, no interesse do povo e do país.

Na Holanda, os partidos fizeram há anos um chamado “pacto de saúde para 20 anos”, onde qualquer alteração pontual tinha que ter o consentimento da maioria.

Será que aqui em Portugal isso seria ou será possível? É que a política de saúde não pode estar sempre a mudar, quando entra um novo Ministro, mesmo sendo do mesmo partido, como acontece.

Eu, pessoalmente, que já vivo a saúde deste país há anos, gostava que isso sucedesse, mas as esperanças são poucas.

observador

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