Agora e na Hora / coluna 'A Linguagem no Tempo', por Fernando Ávila

O novo livro de Héctor Abad Faciolince é leitura obrigatória. Ele narra os eventos que ocorreram em Kramatorsk, Ucrânia, em meados de 2023, quando um míssil russo o atingiu enquanto ele e seus companheiros de viagem se preparavam para o jantar. A narrativa apresenta os eventos em detalhes, fornecendo o contexto e as consequências para ele, seus filhos, sua esposa e seus amigos. Não apenas as consequências físicas, os golpes e ferimentos, mas sobretudo as consequências psicológicas e emocionais.
O cenário se concentra nos primeiros encontros do autor com o ex-Alto Comissário para a Paz, Sergio Jaramillo, um de seus companheiros de viagem. O primeiro encontro deles dá nome ao livro. Eles estavam em um avião militar para acompanhar Juan Manuel Santos na cerimônia de recebimento do Prêmio Nobel da Paz em Oslo, em dezembro de 2016, e durante a longa viagem, Jaramillo andava inquieto pelo corredor central da aeronave, resmungando para si mesmo. Em certo momento, Abad se levantou e acompanhou o passo de Jaramillo. Brincando que suas sílabas ininteligíveis eram orações, ele supostamente se juntou à canção com "Rogai por nós, pecadores", e os dois terminaram em uníssono com "Agora e na hora de nossa morte. Amém". Daí o título do livro "Agora e na Hora". Eles imediatamente esclareceram suas respectivas posições religiosas e então iniciaram um diálogo que continua até hoje, embora Abad esteja atualmente em Madri e Jaramillo em Bruxelas.
A capa do livro é ilustrada com um cisne negro e um cisne branco unidos pelos bicos. O desenho retrata uma das vítimas do bombardeio descrito, Victoria Amélina, uma escritora ucraniana de 37 anos que se dedicava então a cobrir guerras, a guerra da Rússia contra a Ucrânia e todas as outras. Victoria era uma bela mulher, de pescoço longo e palidez espectral, vestida de preto rigoroso, lamentando "os soldados mortos, os civis mortos, os amigos mortos". A foto da página 88 mostra seus cabelos lisos, como os da Mona Lisa, seus olhos enormes e tristes, seu sorriso quase imperceptível e sua expressão de resignação ao que vira nas diversas zonas de guerra e, talvez, ao que viria em 17 de junho de 2023, quando se tornaria vítima fatal do bombardeio.

Heitor Abad Faciolince. Foto: Maurício Moreno. O TIEMPO
Abad reflete sobre sua decisão de ir para a Ucrânia, apesar do conselho do marido. Ele escreve o livro tentando se justificar para a filha, que o repreende por ter tentado a morte, e tentando se justificar por não ter tido a covardia de recusar quando Jaramillo e a própria Victoria insistiram que ele fosse à pizzaria de Kramatorsh. Parte de sua reflexão se concentra nos milagres que ocorreram. O gerente da pizzaria os leva ao terraço, onde apenas Victoria morre, e não ao andar principal, onde outras doze pessoas morrem. E o mais revelador: Abad senta-se ao lado de Jaramillo, mas como não consegue ouvi-lo bem, ele se move para o outro lado, e Victoria toma seu lugar. Se ele não tivesse tomado essa decisão por causa de sua surdez, ele teria sido quem morreu.
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