Hospitais secretos de maternidade da URSS: crianças eram declaradas mortas e entregues a outras famílias?

Nem todas essas histórias são apenas fantasias criadas para gerar expectativa.
Em novembro de 1983, Irina Popova, de 23 anos, deu à luz gêmeas em Tashkent. Segundo os médicos, ambas morreram logo depois. Mas a mãe tem certeza de que foi enganada. Afinal, poucos dias após o parto, ela segurou uma das filhas nos braços. Viva.
Não lhe deram nenhum documento, não lhe mostraram o corpo, apenas explicaram secamente: “Isto é material para aborto espontâneo”.
E há décadas, Irina busca a verdade.
17 de novembro de 1983. Irina Popova deu à luz no novo prédio do Instituto de Pesquisa de Obstetrícia e Ginecologia de Tashkent, onde os médicos usaram as tecnologias mais avançadas da época.
"O trabalho de parto começou um mês antes do previsto", lembra Irina. "A gravidez foi difícil. As duas meninas estavam sentadas. A perda de sangue foi colossal, exigindo uma transfusão. Mas as meninas nasceram vivas!"
No dia seguinte, durante as rondas, Irina perguntou: "Onde estão minhas meninas? Por que ninguém diz nada?" A resposta foi: "Não sabemos. Pergunte ao pediatra; o departamento é lá embaixo."
Mas levantar-se estava fora de questão: repouso absoluto na cama por vários dias. Além disso, o menor movimento causava uma dor excruciante.
"Eu estava esperando alguém vir me contar como estavam meus filhos. Mas ninguém veio me ver no dia seguinte, nem no outro. Só as enfermeiras estavam realizando procedimentos. No terceiro dia, uma delas disse: 'Ligaram da ala infantil. Disseram que uma menina morreu.' E foi isso. Nenhuma explicação. Nenhum médico veio! Não deixaram meu marido entrar, nem minha mãe. Só bilhetes e pacotes enviados pelos correios."
Naquela mesma noite, seguindo o conselho da colega de quarto, Irina foi secretamente até a ala infantil. Havia uma enfermeira de plantão.
"Chorei e implorei: 'Mostre-me o bebê!'. Coloquei dinheiro no bolso dela. 'Não chore assim', a enfermeira a tranquilizou. 'Sua filhinha está deitada na incubadora. Ela está em estado estável.'"
Irina viu o bebê: tubos de oxigênio, um rosto pequeno – uma cópia do pai.
Quando perguntei por que não estavam trazendo a bebê para amamentar, me disseram: 'Ela está fraca e ainda não consegue mamar. Estamos alimentando-a por sonda. É o que acontece com bebês prematuros. Eles a trarão quando ela ficar mais forte. Acabei de alimentá-la antes de você chegar.' A enfermeira abriu a incubadora e me entregou a bebê. Segurei minha pequena. Ela roncava docemente, enrolada em um cobertor, com um lenço sobre a cabeça. Suas bochechas estavam inchadas, seus lábios curvados. Eu não conseguia parar de admirá-la. Lágrimas escorriam pelo meu rosto — tanto de felicidade quanto de tristeza por sua outra filha, a que havia morrido.
Poucos minutos depois, a enfermeira levou a criança embora:
"Vamos, vou devolver. Se o médico de plantão vir isso, vamos todos ter problemas."
Irina voltou para a enfermaria e dormiu em paz pela primeira vez em vários dias: pelo menos uma de suas meninas estava viva!
“E de manhã me disseram: o segundo morreu.”
No dia seguinte, às oito horas da manhã, a paciente de Popova foi chamada ao chefe do departamento. Uma mulher de aparência eslava, com cerca de quarenta anos, estava sentada à mesa:
— Sua segunda menina morreu...
Irina não acreditou:
- Como? Mostre-a para mim!
E então ela começou a chorar sob o olhar atento da diretora.
"Agora pare de ser histérica! Senão, você vai sair daqui sem licença médica. Agradeça por termos lhe dado 72 dias de parto difícil! Você teve material abortado — 1.250 e 1.300 gramas. Não podemos mostrar."
"Mas eu tive oito meses inteiros!", gritou Irina. "Entreguem meus filhos para serem enterrados!"
O diretor explicou que eles não entregam crianças para sepultamento: "Este é um instituto, não uma maternidade. Temos um funcionário que recolhe tudo e leva para a vala comum."
"Com licença, mas você já teve tempo de remover o corpo às oito da manhã?", perguntou Irina, em dúvida. "Se é 'material para aborto', como pode haver um enterro?"
Deixando as perguntas sem resposta, a diretora perguntou de repente que nomes eles planejavam dar às crianças.
"Fiquei surpresa: por que nomes para os mortos? 'É assim que tem que ser', disparou a diretora. Eu já tinha escolhido os nomes com antecedência: Ekaterina e Anna."
Então Irina recebeu um papel para assinar: fulana deu à luz, em tal hora, e foi informada da data da morte.
"Sem exame, sem provas. Nada! Mas o que eu poderia provar então? Em choque, uma mulher comum em trabalho de parto, sem direitos, como a maioria das pessoas naquela época."
— Por que você não disse que viu sua filha viva no dia anterior?
"Eu tinha medo de decepcionar a enfermeira. Todo mundo vivia com medo naquela época. Mas não se engana o coração de uma mãe. Eu sempre dizia para minha mãe, minhas irmãs e meu marido: algo está errado. Aos oito meses, minha barriga estava tão grande que nem dava para ter um aborto espontâneo! Ainda tenho a foto. É a única prova de que não foi um aborto espontâneo."
Irina admite: na União Soviética, as pessoas confiavam incondicionalmente nos médicos. Ela acrescenta:
As maternidades eram como prisões. Quase não havia contato com a família: apenas um interfone no corredor, onde sempre havia fila. Depois que me contaram sobre a morte da minha segunda filha, ninguém desceu para ver meu marido e minha mãe, que tinham acabado de chegar, nem me explicou nada. Eu mesma contei tudo a eles por telefone.
Poucos dias após o parto, Irina foi transferida para o departamento de patologia.
"Disseram que eu tinha doença renal e que não receberia alta com os resultados dos exames. Mas nunca senti dor nos rins! Nem antes, nem depois. No fim, depois de me manter internada até o final de dezembro, me deram alta na véspera de Ano Novo, com 72 dias de licença médica devido a um parto difícil."
Um ano depois, em 25 de dezembro de 1984, Irina deu à luz um filho saudável no mesmo instituto de pesquisa.
Naquela época, eles eram os únicos que faziam um experimento com sutura cervical. Eu tinha um colo do útero muito curto, além das sequelas do meu primeiro parto. Eles o costuraram e o apertaram com suturas para que eu pudesse levar a gravidez até o fim. Os pontos foram removidos antes do parto. Tais procedimentos não eram realizados em maternidades comuns. Além disso, não havia ultrassom em lugar nenhum. O primeiro aparelho surgiu em 1983, bem naquele instituto.
— Você não teve medo de ir lá de novo?
"É assustador. Mas eu estava em uma situação desesperadora. É verdade que os especialistas do instituto de pesquisa quase arruinaram aquele bebê também: esperaram até o último minuto, não fizeram a cesárea e o bebê já não respirava. Dei à luz meu segundo filho em uma maternidade comum."
Em 2017, Irina se mudou para a Rússia. Ela mora em Krasnodar. Tem dois filhos e três netos. Mas a dor persiste:
"Todo ano eu penso: minhas meninas teriam essa idade agora..." E ela enfatiza novamente: "Eu tinha um bebê vivo nos braços! Um bebê saudável, pesando cerca de dois quilos! E a certidão de nascimento dizia 1250 gramas. Eu não era burra; eu tinha 23 anos, afinal, e sabia o peso pelo tamanho."
"Os dados dos arquivos desapareceram."
Irina tornou sua história pública em 2013.
Vi uma história parecida na televisão uma vez. Depois uma segunda, uma terceira. Então, decidi postar nas redes sociais. E as respostas começaram a chover. Mulheres descreveram situações semelhantes. Era tudo a mesma coisa: as crianças eram declaradas mortas, os corpos não eram mostrados, a papelada estava em branco. Em relação ao Uzbequistão, mencionaram o Instituto de Pesquisa de Obstetrícia e Ginecologia de Tashkent e a Maternidade nº 6, considerados os melhores da cidade.
— Você tentou investigar o caso?
— Um dos meus antigos compatriotas que vivia no exterior observou: houve um número suspeitamente grande de casos semelhantes em 1983. E todos os caminhos levam àquele malfadado instituto de pesquisa.
Em 2013, a filha da amiga da minha mãe, uma advogada conhecida e bem relacionada em Tashkent, apresentou uma queixa ao Ministério Público. Mas eles se recusaram a abrir um processo: o prazo de prescrição já havia expirado. Eu não tinha intenção de abrir um processo; queria encontrar meus filhos. A advogada começou a procurar informações sobre meu nascimento no instituto. Os arquivos estavam vazios! Tudo havia desaparecido. Alguns anos depois, minha irmã contatou uma amiga da mulher que administrava os arquivos do instituto de pesquisa. Ela também tentou encontrar algo, mas depois disse que muitos documentos haviam sido destruídos entre 1982 e 1986.
— Você se lembra dos nomes desses médicos?
"Não. Talvez nem estejam mais vivos. Muitos já eram idosos. A enfermeira-chefe que me deu alta era russa. Acho que o patronímico dela era Pavlovna... E eu nunca vi o pediatra que todos citavam. Pelo que sei, os envolvidos nessa história nunca serão encontrados."
— Você conseguiu descobrir alguma coisa?
— Nada. Claro, havia todo tipo de boato. Por exemplo, que bebês prematuros eram declarados mortos e enviados a Moscou para serem entregues a outras famílias. Um amigo meu, advogado, até encontrou alguém que, segundo algumas fontes, estava envolvido nesses casos. Ele morava no exterior. Pessoas que o conheciam se recusaram a testemunhar. Então, não há nada para se basear.
— Nem uma pista sequer?
Um dia, uma assinante respondeu à minha carta. Ela conhecia duas irmãs gêmeas de Tashkent, nascidas em 1983. Ambas eram loiras, mas moravam com uma família uzbeque. Depois, mudaram-se para a Suécia. Comecei a me corresponder com uma delas. Descobri que os pais das meninas, de Tashkent, as haviam adotado enquanto elas cursavam a pós-graduação em Moscou. A mãe delas lhes contou, quando já eram adultas, que haviam sido abandonadas na maternidade. Elas não tiveram tempo de saber os detalhes; seus pais morreram de COVID-19. Mas a história me pareceu estranha.
A equipe de um programa de TV se ofereceu para pagar o teste, mas as irmãs recusaram. Alguns anos depois, encontraram a mãe biológica por meio de um banco de dados internacional de DNA. Enviaram uma foto da mulher — o mesmo rosto delas. Embora eu tenha torcido até o fim que fossem minhas meninas...
— Os pais adotivos dessas crianças podem saber a verdade?
"O advogado não achava que isso fosse garantido. Crianças poderiam ter sido levadas para outro país a qualquer momento. Era uma ocorrência constante naqueles anos."
“É estranho que nenhum dos ex-funcionários do instituto de pesquisa tenha respondido ainda.”
"É improvável que alguém admita isso, mesmo que ainda estivesse vivo. Quem quer desenterrar um passado desses? E tantos anos se passaram."
— Seu marido a apoiou todos esses anos?
Ele ficou em silêncio, ainda processando tudo. Não conseguia acreditar que tínhamos sido enganados, que algo assim fosse possível na URSS. E eu não conseguia tirar o que tinha acontecido da cabeça. Não se engana o coração de uma mãe. Não tenho dúvidas de que as meninas estão vivas. Tentei e continuarei tentando descobrir alguma coisa. Mas, por enquanto, infelizmente...
"Os corpos foram entregues em uma caixa."
A história de Irina Popova não é única. Você pode encontrar relatos online de outras mulheres que deram à luz em Tashkent no início da década de 1980. As histórias são semelhantes: os bebês foram declarados mortos, os corpos não foram exibidos, os arquivos estavam vazios…
Uma nova história do Cazaquistão surgiu recentemente nas redes sociais. Uma moradora de Almaty contou que, em julho de 1987, deu à luz duas meninas de oito meses na Maternidade de Kapchagay. Ela as ouviu chorando, mas as crianças foram imediatamente levadas e posteriormente declaradas mortas. No sexto dia, seu marido recebeu os corpos em uma caixa lacrada, sem qualquer documentação. Ele enterrou a caixa sem abrir, perto de uma linha férrea, pois não possuía documentos oficiais de sepultamento.
Dois anos depois, a mulher deu à luz uma menina saudável na mesma maternidade. A autora da publicação está convencida de que suas filhas podem estar vivas. A história foi motivada por outras histórias de grande repercussão — por exemplo, a de uma menina americana que, após um teste de DNA, encontrou seus pais em Uralsk, embora ela tenha sido dada como morta ao nascer.
Agora, a mulher pede ajuda para encontrar documentos de arquivo e está pronta para fazer um teste de DNA, na esperança de que suas filhas também estejam procurando pela mãe.
A partir dos relatos das vítimas, fica claro que as maternidades soviéticas estavam sujeitas a um rigoroso sistema de sigilo. Em casos de natimortos, nem relatórios médicos nem atestados de óbito eram emitidos com frequência. Dizia-se que elas haviam sofrido abortos espontâneos. Os corpos não eram exibidos nem entregues para sepultamento. Os médicos argumentavam que qualquer coisa com menos de 1.200 gramas era considerada incapaz de viver. A documentação era formal: uma única folha de papel — uma declaração de reconhecimento da data da morte.
De acordo com depoimentos de mulheres, casos de desaparecimento de recém-nascidos foram registrados não apenas no Uzbequistão e no Cazaquistão, mas também em algumas regiões da Rússia e da Ucrânia na década de 1980. O esquema funcionava da seguinte forma: os pais recebiam um atestado de óbito e a criança era entregue a outras famílias. Nenhuma investigação oficial era conduzida.
Mas as histórias de mulheres de diferentes países mostram que a verdade pode emergir mesmo depois de décadas. E milagres acontecem. Se você não permanecer em silêncio.
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