Air India. O misterioso corte de 10 segundos no combustível

Terão sido apenas 10 os segundos de interrupção no fornecimento de combustível para os motores do Boeing 787. Contudo, foram 10 segundos fatídicos que terão ditado a queda do avião da Air India, em 12 de junho, e provocado a morte a 260 pessoas.
Segundo o relatório preliminar divulgado pelo Departamento de Investigação de Acidentes de Aviação da Índia, na sexta-feira, o corte ocorreu na sequência de os interruptores terem sido acionados por um dos pilotos, uma vez que o sistema de gravação da aeronave captou um dos pilotos a perguntar ao outro por que razão é que cortou o combustível e o outro a responder que não o fez.
Estes interruptores são normalmente utilizados quando o avião está em terra, primeiro para ligar os motores antes do voo e depois para os desligar.
De acordo com o documento, o avião teve autorização para levantar pelas 08:07:33 na pista 23. Atingiu a velocidade máxima de 180 nós (equivalente a cerca de 333 quilómetros/hora) pelas 08:08:42 (hora UTC) e, “imediatamente a seguir, os interruptores de corte de combustível do Motor 1 e do Motor 2 passaram da posição RUN para a posição CUTOFF, um após o outro, com um intervalo de 01 segundo”.
Na sequência dessa ação, os valores dos motores começaram logo a diminuir e a “aeronave começou a perder altitude antes de atravessar o muro de perímetro do aeroporto”, acabando por se despenhar junto de um conjunto de cinco edifícios da residência da Faculdade de Medicina de Byramjee Jeejeebhoy, em Ahmedabad. Tinha acabado de sair do aeroporto internacional Sardar Vallabhbhai Patel com destino ao aeroporto de Gatwick, em Londres.
Sem quaisquer registos de atividade significativa de aves no espaço aéreo percorrido pelo Boeing 787, os valores dos dois motores desceram abaixo da velocidade mínima de ralenti e a bomba hidráulica da turbina eólica (RAT, Ram Air Turbine) — um sistema que gera energia a partir da corrente do ar e que normalmente só se ativa em caso de emergência — começou a fornecer energia pelas 08:08:47.
Ou seja, apenas cinco segundos depois da velocidade máxima e do interruptor para o corte do combustível ter sido ativado.
Segundo os dados armazenados pela caixa preta do avião, o interrutor de corte de combustível do Motor 1 passou de CUTOFF para RUN por volta das 08:08:52, fechando aqui o ciclo de 10 segundos sem o fornecimento de combustível.
Dois segundos a seguir, pelas 08:08:54, a porta de entrada da unidade de potência auxiliar (APU, na sigla em inglês — uma espécie de motor a jato na traseira) começou a abrir-se, seguindo uma lógica de arranque automático, e às 08:08:56 verifica-se também a alteração do interruptor de corte de combustível do segundo motor, passando de CUTOFF para RUN.
“Quando os interruptores de controlo do combustível são movidos de CUTOFF para RUN enquanto a aeronave está em voo, cada motor com controlo duplo de autoridade total gere automaticamente uma sequência de reacendimento e recuperação do impulso da ignição e de introdução do combustível”, descreve o relatório.
O documento refere que o sensor da temperatura dos gases de escape estava a subir nos dois motores, o que confirma o procedimento de reacendimento. Paralelamente, o motor 1 começou a recuperar da desaceleração que tinha sofrido com o corte de combustível, enquanto o motor 2 reacendeu, “mas não conseguiu parar a desaceleração da velocidade do núcleo e reintroduziu combustível repetidamente para aumentar a aceleração e a recuperação da velocidade”.
Apenas nove segundos depois do reacendimento do combustível para o segundo motor, um dos pilotos emitiu às 08:09:05 a mensagem de socorro internacional — “Mayday, Mayday, Mayday”.
O controlo aéreo ainda terá perguntado aos pilotos do avião pelo alerta, mas não obteve resposta. Às 08:09:11, seis segundos depois da mensagem de alerta, o sistema de gravação de áudio e dados (caixa preta) parou de funcionar.
O avião tinha-se despenhado, já fora dos limites do aeroporto, provocando a morte de 241 pessoas a bordo (12 membros da tripulação e 229 passageiros) e 19 em terra. Entre as pessoas no avião registou-se somente um sobrevivente.
A possível falha humana na origem da queda do avião da Air India, prenunciada pelo relatório preliminar das autoridades indianas, está a gerar a revolta entre os pilotos indianos, que criticam o sentido do documento, sem responder a dúvidas sobre possíveis falhas técnicas.
O relatório sinaliza que a manutenção do avião estava em dia, mas recorda também um boletim de 2018 da FAA, a agência americana federal de aviação, sobre o potencial desbloqueio do interruptor de controlo do combustível do Boeing 737, no qual estes dispositivos eram instalados “com a função de bloqueio desengatada”. Contudo, “a preocupação com a aeronavegabilidade não foi considerada uma condição insegura que justificasse uma diretiva” do organismo federal.
“O tom e a direção da investigação sugerem uma tendência para o erro do piloto”, disse o capitão Sam Thomas, presidente da Associação de Pilotos da Índia (ALPA), citado pelo Hindustan Times, acrescentando: “A ALPA Índia rejeita categoricamente esta presunção e insiste num inquérito justo e baseado em factos. Também renovamos o nosso pedido para sermos incluídos — no mínimo, como observadores — no processo de investigação para garantir transparência e responsabilidade”.
Os registos indicam que os dois pilotos eram experientes e estavam habituados àquele modelo da Boeing: um dos pilotos tinha 56 anos e somava mais de 15 mil horas de voo (das quais mais de 8.500 naquele tipo de aeronave), enquanto o outro, de 32 anos, já acumulava mais de 3.400 horas de voo (mais de 1.000 naquele tipo de avião).
Por sua vez, o Ministro da Aviação Civil da Índia, Kinjarapu Naidu, citado pela Sky News, procurou apaziguar a tensão que se começou a gerar com o relatório e elogiou os pilotos indianos. “Preocupamo-nos com o bem-estar e o bem-estar dos pilotos, por isso não vamos tirar conclusões precipitadas nesta fase, vamos esperar pelo relatório final. Acredito que temos a melhor força de trabalho de pilotos e tripulantes do mundo”, declarou.
observador