Ah e tal, não se falou disso em campanha

Mal a Iniciativa Liberal afirmou que, no regresso dos trabalhos parlamentares, daria início a um novo processo de revisão constitucional, logo se ouviu um coro de críticas. Algumas demonstram uma (in)conveniente relação com a democracia, outras ficam entre o desconhecimento, o alheamento e a amnésia. Umas são mera conveniência, outras necessitam apenas de estudo.
Há uma linha argumentativa especialmente débil. A dos que tentam pôr em causa a legitimidade de um processo de revisão constitucional porque, vejam bem, “não foi tema de campanha”. Esta candura merece ser escalpelizada, sem necessidade de deitar alguém no divã. Vejamos então.
Alguns comentadores e opinadores da bolha mediática acham que uma campanha é só constituída pelos momentos em que os jornalistas, no exercício da liberdade de imprensa, esticam os microfones e escrutinam os candidatos fazendo perguntas. Estarão estes críticos a dizer aos partidos que após eleições só ficam autorizados a ter iniciativa parlamentar com o “visto prévio” das questões da imprensa?
Uma campanha tem diversas variáveis. Há quem prefira ignorar a existência de programas eleitorais, mas é inútil iludir a realidade: estes são peças fundamentais da intervenção política, nomeadamente em campanhas para a Assembleia da República. Vários partidos, incluindo a Iniciativa Liberal, tinham presente nos seus programas linhas orientadoras para a revisão da Constituição.
Perante esta linha argumentativa do “não foi falado em campanha”, é de ficar atónito com certos actores políticos. Nem sei se perceberam bem a atitude amnésica que demonstram e as contradições em que se envolvem.
Vários deles, por ironia, foram alvo de igual crítica quando defendiam o processo legislativo da morte medicamente assistida.
Igualzinho o argumento crítico.
A alegação de que isto “não foi falado em campanha” é frágil e cai facilmente quando há memória, ficando patente a incoerência de alguns.
A quem está no palco político exige-se coerência e respeito pelos factos.
Quanto à Iniciativa Liberal, nos dois exemplos mencionados, é inquestionável que esteve e está sempre legitimada por programas. Também na revisão constitucional. Em 2022 apresentámos um projecto de revisão constitucional, com cerca de 40 propostas de alteração. Só não foi por diante porque a legislatura terminou muito antes do previsto.
Convém recordar que todos os partidos apresentaram então projectos próprios. Foi constituída a respectiva comissão eventual, e ali ocorreram dezenas de reuniões, também audições, e vários consensos foram alcançados após debates que tiveram destaque nos órgãos de informação. Tudo isto está documentado. Foram até feitas votações artigo a artigo, proposta a proposta.
Entraremos agora em novo processo de revisão constitucional, como em todos os processos legislativos. Com seriedade e ambição.
Isto não devia surpreender ninguém, muito menos comentadores e jornalistas, tratando-se de uma nova legislatura. A normalidade democrática e constitucional defende-se com a verdade e a coerência. Os que insistem em abanar com espantalhos, continuarão a ser ultrapassados.
observador